27 de maio de 2010

Tumulto interior


O alimento que procuro não é um alimento comestível. Procuro sim um alimento que me preencha. Procuro um antídoto para este veneno que se entranhou em mim e que persiste em danificar o que me resta de bom. Percorro ruas quase a correr como se estivesse a fugir de algo, fico com a pulsação acelerada e falta de ar com o puro prazer de tentar respirar fundo para sentir algo e depois estabilizar. Fumo um cigarro. Olho para longe como que à procura de um novo lugar. Preciso desesperadamente de sentir. Sentir para não esquecer que tal é possível. Sinto-me presa em mim, como se dentro de uma gaiola permanecesse. Quero a liberdade que tanto adoro e me atrai. Preciso de sair de mim mesma, pois por vezes não me reconheço. Quero gritar e ouvir o eco da minha própria voz. Sentir-me viva mais uma vez. Dançar de braços abertos e rodopiar para sentir o vento a tentar tocar-me. Anseio tanto mas tanto que nem tenho a percepção do que realmente pressinto. A grandiosidade revestida em mim. A doçura de um grande momento, de um grande passo. Escrevo estas palavras sem parar, como que se tratasse de uma rajada forte. Sinto-me febril e com um imenso turbilhão de sentimentos intactos dentro de mim. Tremo só de pensar que não os conseguirei saber exprimir na altura certa. O mundo deveria ser de cada nós e deveríamos ter a força e coragem de o pegar-mos por cima das nossas cabeças. A felicidade parece algo tão abstracto e confuso quando não é partilhada. Já fui ferida, já me curei e assim se dá a continuidade de um imenso e complexo ciclo vicioso no qual me encontro emparelhada. Páro. Procuro com os olhos vendados tacteando a imensidão do vazio que me rodeia. Ouço vidros a partirem-se, tempestades enfurecidas, vozes agressivas. Mas continuo. Porque ninguém, mas mesmo ninguém viverá a minha vida ou percorrerá o meu caminho. Laços desfeitos, lágrimas derramadas, visões distorcidas… E assim, assim se vive uma vida, que sem estas partículas todas não seria uma vida. Tenho sono. Tanto sono. Dormiria horas infinitas só para poder sonhar sem pesadelos, gemidos, gritos e lágrimas ao acordar. O meu verdadeiro tumulto interior. Se tivesse tal certeza, dormiria horas infinitas num doce embalar musical.




Texto: Catarina Santos
Foto: Mehme Turgut*

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